As usinas hidrelétricas, há décadas a espinha dorsal da geração de energia no Brasil, enfrentam o desafio do tempo. Com grande parte dessas estruturas operando há muitos anos, o desgaste dos equipamentos e a perda de eficiência se tornaram uma realidade. Para reverter esse cenário, o setor se volta para a modernização e a engenharia digital, que prometem fortalecer a matriz energética do país sem a necessidade de novas barragens.
O setor de energia busca otimizar a capacidade das usinas existentes, um movimento que ganhou impulso com iniciativas governamentais. O Leilão de Reserva de Capacidade na forma de Potência (LRCAP), embora temporariamente suspenso, é um exemplo. Seu objetivo é contratar a ampliação da potência instalada por meio de unidades geradoras adicionais em “poços vazios” e estimular investimentos privados.
“A ampliação da capacidade das hidrelétricas tem ganhado relevância estratégica também do ponto de vista regulatório”, afirma Rafael Cesário, gerente de projetos da área de Hidroenergia da Tractebel Brasil, Chile e Canadá. Segundo ele, o leilão, que deve ter um novo edital em breve, busca “aumentar a eficiência e segurança energética sem precisar erguer novas barragens”.
O potencial é vasto. Dados da Associação Brasileira de Empresas Geradoras de Energia Elétrica (Abrage) indicam que a capacidade das hidrelétricas poderia aumentar em impressionantes 86,4 GW, um salto de 79% sobre a potência atual. Deste montante, 18,4 GW viriam de projetos de repotenciação, modernização e instalação de novas unidades em espaços já existentes em usinas como a de Jaguara (MG/SP) e São Simão (GO/MG), que já passam por processos de modernização e estão aptas para o leilão.
Engenharia Digital como solução estratégica
A modernização de usinas antigas, porém, apresenta um desafio: a ausência de documentação atualizada, que pode gerar incertezas e atrasar projetos. É nesse ponto que a engenharia digital entra em cena, atuando como uma ponte entre o diagnóstico preciso e a tomada de decisão eficiente.
Pedro Lima, líder de engenharia digital da Tractebel, explica a aplicação dessas tecnologias. “Soluções como escaneamento a laser, Gaussian Splatting, plantas virtuais (Matterport) e a metodologia BIM são aplicadas para se obter uma representação fiel da estrutura como ela é hoje”, ele aponta. “A partir daí, são criados modelos digitais tridimensionais inteligentes, que integram em seus metadados informações técnicas, operacionais e espaciais”.
Esses modelos digitais são a base para a elaboração de estudos de engenharia que garantem maior assertividade, avaliam a viabilidade técnica e ajudam a mitigar riscos. Eles resultam na criação de gêmeos digitais que servem como ativos estratégicos ao longo de toda a vida útil do empreendimento, desde a construção até a operação e manutenção.
No entanto, o especialista ressalta que o sucesso não depende apenas da tecnologia em si, mas de como ela é aplicada. “A lógica não é apenas digitalizar — é digitalizar com propósito e inteligência, assegurando ganho de produtividade, rastreabilidade, desempenho e redução de incertezas”, reforça Lima.
A modernização e a ampliação estratégica das hidrelétricas, aliadas ao uso inteligente da engenharia digital, representam mais do que soluções técnicas pontuais. Essa combinação de inovação tecnológica e visão estratégica é um caminho sólido para o fortalecimento sustentável da matriz energética nacional, elevando a segurança energética e a competitividade do país para os desafios das próximas décadas.
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