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Vetos presidenciais ao PL da Devastação não afastam ameaça de novos desastres

Vetos presidenciais ao PL da Devastação não afastam ameaça de novos desastres - Fitec Tec News

Os vetos de parte do chamado PL da Devastação pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva dividiram opiniões de entidades ligadas à pauta socioambiental. Embora reconheçam que o governo evitou a dilapidação completa da legislação, AVABRUM, AMIG, Observatório do Clima e Observatório de Barragens de Mineração da UFMG avaliam que pontos cruciais ainda foram mantidos, comprometendo a segurança de comunidades e o futuro da política ambiental no Brasil.

Para a AVABRUM, que representa vítimas e familiares da tragédia de Brumadinho, o projeto revela mais uma vez a distância entre os interesses políticos e a vida das pessoas. Nayara Porto, presidente da entidade, afirma que o país não aprendeu com os crimes socioambientais recentes. “Brumadinho e Mariana deveriam ter sido marcos de transformação. Mas, quando olhamos para este projeto e para os vetos insuficientes, o que vemos é que a prioridade continua sendo o lucro das mineradoras, não a proteção das vidas humanas e do meio ambiente”, afirma.

Nayara reforça que a AVABRUM esperava um posicionamento mais firme do Executivo diante da pressão do Congresso. “O governo sinalizou resistência, mas cedeu em pontos que colocam as comunidades em risco. Não podemos naturalizar tragédias. Cada concessão feita nesse tipo de legislação representa a possibilidade real de novos crimes. E quem paga esse preço são os atingidos, não as empresas”, alerta.

Para o Observatório do Clima, o PL aprovado pelos Parlamentares representa o maior retrocesso desde a criação da Política Nacional do Meio Ambiente, em 1981. Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas da organização, considera que se os vetos presidenciais forem derrubados pelo Congresso, décadas de experiência no licenciamento ambiental no Brasil podem ser perdidas. “O texto prioriza isenções, autolicenciamento e ritos de apreciação acelerados. É um ataque frontal à política ambiental, que deveria ser fortalecida, não enfraquecida em nome da pressão econômica. Nesse quadro, a Lei Geral do Licenciamento só vai ser resolvida no Supremo Tribunal Federal”, alerta.

Ela reconhece que o veto de 63 dispositivos foi um passo além do esperado, mas alerta para as lacunas. “A medida provisória que manteve a lógica da Licença por Adesão e Compromisso compromete a análise de grandes empreendimentos. Além disso, a ampla isenção ao agronegócio segue intocada, permitindo que atividades como pecuária intensiva e monoculturas de grande escala causem danos irreversíveis a ecossistemas como o Pantanal. Não basta evitar retrocessos totais, é preciso enfrentar os pontos críticos de frente”, reforça Suely.

Sinal vermelho mesmo com os vetos

O Observatório de Barragens de Mineração (OBAM), vinculado ao Grupo de Ensino, Pesquisa e Extensão: Educação, Mineração e Território (EduMiTe) do IGC/UFMG, alerta para as implicações diretas do projeto em Minas Gerais, estado mais afetado pelas tragédias da mineração. Para a professora Lussandra Gianasi, titular do Departamento de Geografia da universidade, os vetos não resolvem o problema estrutural do licenciamento. “Se antes já não tínhamos uma legislação capaz de garantir licenciamentos responsáveis, agora a situação se agrava com a criação de um licenciamento especial sem definição clara. Estratégico para quem? Impactante para quem? Essa pressa em liberar grandes projetos em um ano não assegura estudos sérios nem o consentimento das comunidades atingidas”, questiona.

Ela ressalta que bens comuns, como a água, deveriam ser considerados estratégicos em qualquer legislação. “Estamos falando de um bem essencial, já afetado pela mineração em várias regiões. A água é um direito de todos, mas segue sendo comprometida por empreendimentos que avançam com pouca ou nenhuma vistoria. Se antes a fiscalização já não dava conta, agora tampouco dará”, alerta Lussandra.

A professora lembra que, mesmo após as tragédias de Mariana e Brumadinho, o lobby mineral segue influente. “Empresas continuam lucrando enquanto comunidades seguem vulneráveis. O governo evitou um retrocesso absoluto, mas ainda não garantiu segurança nem justiça socioambiental. Minas Gerais sabe, melhor que qualquer outro estado, o que significa pagar o preço da omissão. Não podemos repetir essa história”, conclui.

As três entidades entendem que os vetos de Lula impediram o pior, mas não foram suficientes. Para Avabrum, Observatório do Clima e Observatório de Barragens de Mineração, a aprovação parcial do PL da Devastação mantém aberta a possibilidade de novos desastres. O consenso é de que o país segue diante de uma encruzilhada: ou fortalece seu arcabouço socioambiental, ou continuará refém de tragédias anunciadas.

A preocupação também é relatada por quem convive diariamente com a atividade minerária. A Associação Brasileira dos Municípios Mineradores (Amig Brasil) considera que o PL 2159/2021 fragiliza o controle ambiental e ignora aprendizados de tragédias como Mariana e Brumadinho, ao abrir espaço para modalidades de licenciamento mais flexíveis sem garantias adequadas de segurança.

“O que está em jogo é a segurança de milhões de pessoas que vivem em regiões mineradoras. Flexibilizar leis ambientais sem prever responsabilidade clara de empresas, gestores e técnicos é institucionalizar a impunidade. Não se trata de barrar o desenvolvimento, mas de garantir que ele aconteça com rigor, transparência e justiça socioambiental”, afirma Waldir Salvador, consultor da Amig Brasil.

Sobre o Projeto Legado de Brumadinho:

A AVABRUM – Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos do Rompimento da Barragem Mina Córrego Feijão tem o Projeto Legado de Brumadinho como suporte de ações institucionais e na construção da memória (para que nunca mais aconteça). O Legado de Brumadinho integra os projetos do Comitê Gestor DMC (Dano Moral Coletivo) com recursos pagos a título de indenização social ao MPT pelo rompimento da Barragem da Vale em Brumadinho que ceifou a vida de 272 pessoas.

Foto: Avabrum/Senado Federal/Reprodução

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